Um Domingo longe da Moda. Nota postada no facebook.
Hoje passei um Domingo longe da Moda. Como sempre escrevo aqui, sou um cara eclético, que gosta de conhecer a vida, o mundo, as pessoas. Curto o luxo, a sofisticação e a beleza, mas penso na miséria, na simplicidade e no “feio” da vida.
E, afinal, o que é este “feio”? Hoje tive a oportunidade pra refletir sobre isso.
Tenho um Studio na Bela Vista, que alguns dizem ser o East Village de São Paulo, mas não concordo. Este bairro inclui desde cantinas italianas a casinhas charmosas e casas mal tratadas, grafitadas, habitadas com carência. Alguns diriam: “sim, também o East Village”.
Enfim, esta comparação pouco importa para o que vou relatar e só mostra o meu grilo falante viajado buzinando no meu ouvido, querendo fazer pose.
Dizia, então, que me afastei da Moda hoje. Fui para outra realidade. Primeiro uma festa junina de rua que, por estar em SP tinha muita pizza e massa pra vender nas barraquinhas. E um tal de pão de queijo no palito, que li mas não vi nem comi. Resolvi depois almoçar no centro, numa boa Padaria, a Palma de Ouro. Lembrei de Portugal e pedi “Alheiras”.
Resolvi, depois, que queria conhecer o recém reformado Cine Marabá, que agora tem cinco salas e mantém alguns detalhes do original. Saindo, à noite, resolvi atravessar a Ipiranga, perto da Av. São João, e comer kibe no Habib’s. Sou louco por comida árabe. Melhor, sou louco por comida. Ponto. Programa “popular” completo, como tem que ser. Não quero e não posso viver em redoma, até mesmo porque artistas precisam de informação e sentimentos de todos os tipos.
Ao entrar para ir ao Caixa, ouvi uma voz ao meu ouvido, pedindo alguma coisa. Automaticamente não olhei, entrei e fui fazer meu pedido. Fiquei incomodado, no entanto. O que eu fazia, no Centro de São Paulo, domingo à noite, um pouco frio, cheio de mendigos enrolados em finos cobertores baratos e caixas de papelão? Fiquei desconfortável, não queria olhar a rua e estava com fome. E todos aqueles lá fora, bandidos ou não, com certeza com mais fome que eu, como distinguir, como não me envolver,como me proteger?
Procurei um canto pra esperar. Havia pedido uma caixa pra levar e comer em casa. Cheia de kibes e esfihas. Afinal, olhei a rua. Havia um jovem que me olhava, esperando uma resposta, uma ajuda. Coloquei a mão no bolso. Não posso deixar de dar algum dinheiro, pensei. Assim que o fiz, percebi que outros viram e se fixaram em mim. Se desse dinheiro para um, haveria um monte à minha volta. E o perigo? Que perigo eu correria? O que eles fariam com o dinheiro? Desisti e parei de olhar.
Minha caixa ficou pronta, cheia de comida. Olhei pra rua. Ainda havia o jovem e um garoto enrolado num cobertor, me espreitando.
O que vem a seguir, foi uma sequência quase sem pensar, por um impulso talvez perigoso, mas do qual não me arrependo. Abri a caixa, coloquei as esfihas no guardanapo, com todo cuidado, como se fossem para um convidado, e levei pra eles. Olhei bem em seus olhos. Não queria que sentissem outra coisa, além do respeito que estava tendo, usando minhas melhores condições . Troca de olhares rápida, mas que me emociona até agora, enquanto escrevo. Um agradecimento simples para um oferecimento simples.
Voltei pra minha caixa árabe, querendo ir embora. Interessante, não tive medo de sair à rua pra chamar um taxi. Talvez perigosamente, eu estava confiante. E olhava, sem pena ou altivez, para alguns que se aproximavam. Os taxis não paravam, provavelmente com medo daqueles que estavam perto de mim. O rapaz a quem ofereci a esfiha veio me perguntar se eu queria que ele me trouxesse um taxi. O mesmo fez o vendedor de cartões de telefone, com sua boina “reggae” colorida, de quem comprei um (quem sabe um dia posso precisar?). O garoto do cobertor, que depois veio me pedir pra comprar uma vitamina, veio me mostrar o copo, pra provar que realmente comprara o refresco e não drogas. Mais algumas cenas, mas não vou lhes tomar o tempo mais.
Quero encerrar, dizendo que o rapaz me trouxe um taxi. Olhei a cara do motorista. Normal Arrisquei-me, é verdade, e tomei o taxi. De alguma maneira não me senti ameaçado, mas protegido. Deu tudo certo.
Sei que não devo repetir isso. Dentro do taxi uma emoção começou a me tomar. Uma vontade de chorar, que era uma mistura de tudo. De tanta coisa, que prefiro nem tentar descrever. Em casa, um pranto solto e emocionado, que deixei fluir.
E uma certeza agora. Preciso ajudar as pessoas. Senti como se fosse um recado, uma mensagem, uma missão.
Comentários dos amigos do face:
Clarisse Isnard De Maracajá, Adriana Ximenes, Silvia Roesler eoutras 4 pessoas curtiram isso.
..............
Isso, Roberta!!! É verdade que muitos na rua não são os miseráveis de toda uma vida....E existem tantas razões: de vícios à falta de solidariedade, doenças do corpo ou da mente....e até da alma. Explicações podem ser tentadas - espirituais, apenas materiais, o que for..... Que cada um procure lembrar que a Vida não é só de futilidades e demonstrações de Poder. E que, se formos privilegiados, é bom agradecer e se mostrar merecedor, a cada dia.
4 de novembro de 2009 às 00:27 ·
Adorei, suas palavras são bem verdadeiras. bjo
4 de novembro de 2009 às 08:10 ·
isso, todos os dias temos que agradecer e devolver de alguma forma tantos privilégios, salut Alberto,
4 de novembro de 2009 às 10:13 ·
Alberto, Parabéns pela divulgação de uma maneira tão rela e "tristemente" verdadeira.
14 de dezembro de 2009 às 15:16 ·
Obrigado, Ana. Feliz que tenha encontrado minha Nota, escondidinha aqui no facebook. Vou até compartilhar, quem sabe outros amigos possam gostar. Beijo e bom final de ano!
14 de dezembro de 2009 às 15:18 ·
Esse texto é muito firme e forte. Acho que na vida temos a oportunidade de colher conhecimento atrav... Ver mais
14 de dezembro de 2009 às 15:34 ·
Jamill, como sempre vc expressa meus sentimentos e criações com palavras precisas e agradáveis. É possível que poucos leiam este texto, já publicado aqui há algum tempo, um pouco longo pra maior parte dos amigos facebookers, mas me faz sempre lembrar que falta muito a fazer, e que preciso me organizar pra isso. Obrigado.
14 de dezembro de 2009 às 15:39 ·
Lindo! Lindo vc se permitir colocar aqui sentimentos tão fortes e vivos. Adorei. Prazer te conhecer mais um pouco. Beijos
19 de dezembro de 2009 às 07:16 ·
É tb um prazer, Ana, receber as mensagens dos amigos q sabem q somos viajantes temporários nesta Vida e precisamos estar atentos. Beijos.
19 de dezembro de 2009 às 10:49 ·
Hoje me apaixonei por um outro Alberto Sabino..este sim, sabe o que é a essencia da vida!
Bjs no seu coração..
Bjs no seu coração..
02 de janeiro às 23:06 ·
Alberto, vc rssuscitou uma frase que resistia em mandar ai no FB e que cai perfeito nesta tua cronica tao bonita. QUEM VIVE COM MEDO ACABA INDO EMBORA MAIS CEDO
18 de janeiro às 16:38 ·
Perfeito, Pedro! Posso postar a frase? Refacebuquear?
18 de janeiro às 16:41 ·
Alberto, Alberto... voce me tocou profundamente com esse texto...estou com lagrimas nos olhos! Primeiro, pelo "passeio" por Sao Paulo, a minha cidade que me mata de saudades, mas voce quer mesmo quer saber...no momento que voce escreveu que ouviu a voz de alguem lhe "pedindo" eu sabia, com toda a cetreza que o final da historia seria exatamente esse. Pois sua sensibilidade ultrapassou as linhas escritas, a internet, a tela do computador e aqui estou eu me sentindo abencoada por tanta coisa, mas ainda mais por ter recebido a oportunidade de te conhecer um pouco.
Alberto, sao momentos assim que mais me trazem satisfacao. A vida passa tao rapido...somos todos humanos, ahhh, Alberto, que alma belissima essa a sua. Explica-se toda a beleza que voce cria no seu trabalho.
Um beijo muito grande...e um forte abraco!
Alberto, sao momentos assim que mais me trazem satisfacao. A vida passa tao rapido...somos todos humanos, ahhh, Alberto, que alma belissima essa a sua. Explica-se toda a beleza que voce cria no seu trabalho.
Um beijo muito grande...e um forte abraco!
18 de janeiro às 16:57 ·
Sim Alberto manda ver -- e aproveita para postar teu artigo de novo que eh muito forte !!!. Vi um comentario acima de gente dizendo que era um pouco longo demais para o FB mas aih eh que mora o perigo. Isto aki eh demais mas muito fragmentado. No chat estamos sempre com a proxima inteervencao sem ter ligo a ultim a replica. Este negocio de brasileiro ler pouco ou soh ler curto ainda vai dar pano para manga. Eu mesmo postei dois artigos no FB que sairam no The Guardian sobre o Haiti, Recebi uns magros 'like it' mas ninguem ateh agora disse simplesmente: Li e gostei OU NAO!
18 de janeiro às 16:59 ·
Carol, você me emocionou. É muito bom pra um artista ser compreendido, conseguir passar um sentimento, seja em formas ou em palavras. Não faço o tipo rebelde e sem causa, aquele que simplesmente cria e pouco se importa com o resultado sobre os outros. Suas palavras acima são importantíssimas pra mim e me emociono novamente, ainda que com menos intensidade que no dia que escrevi, mas com uma emoção renovada, regada pela solidariedade e compreensão daqueles que me lêem. Obrigado, beijos e um forte abraço!
18 de janeiro às 17:05 ·
verdade, Pedro !!!
18 de janeiro às 17:06 ·
Que bom, Alberto, que bom, nos emocionamos os dois entao :)))
Gracas a Deus que apesar de tanta desgraca no mundo ainda conseguimos enxergar beleza nos pequenos gestos, nas pequenas coisas, que pra nós, sao pequenas, mas as vezes para os outros nao tem tamanho. E tudo com muita dignidade sim, pois eh importante. Saber estender a mao sem fazer com quem esta do ourto lado se sinta um caso de "caridade" nao eh qualquer um que sabe.
Um beijo e um brinde a essa amizade que cresce!
Gracas a Deus que apesar de tanta desgraca no mundo ainda conseguimos enxergar beleza nos pequenos gestos, nas pequenas coisas, que pra nós, sao pequenas, mas as vezes para os outros nao tem tamanho. E tudo com muita dignidade sim, pois eh importante. Saber estender a mao sem fazer com quem esta do ourto lado se sinta um caso de "caridade" nao eh qualquer um que sabe.
Um beijo e um brinde a essa amizade que cresce!
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